Missões RANK D - K.

A porta abriu-se com um rangido. Dentro da sala, a primeira coisa que vi foi aquela mulher enorme. Se não fosse pela expressão escandalosa e a tremedeira, eu poderia jurar que era um balão decorativo que iam me mandar pendurar em algum ponto alto da vila para um provável festival que estaria por vir. Entrei e ela veio tropeçando em minha direção, segurando meus braços com aquelas mãos fofas, desesperada.

— Por favor! Meu gato! Encontre meu gato! Meu pobre Tora! — Ela choramingou com a cara empoada tão próxima a meu rosto que se hálito doce me deixou meio enjoada.
— Cuidado para não se cortar, senhora. — Disse e ela se afastou. As lágrimas se misturavam ao excesso de maquiagem preta e marcavam suas bochechas com linhas pretas.

  Um pigarro soou no fundo da sala, e eu me dei conta que o jounnin que ia me passar a missão encontrava-se logo atrás dela. Inclinei o rosto para lateral afim de enxergar o rapaz. A madame moveu-se para o lado como uma lesma e passou a lamuriar-se no canto.

— Bom dia, Spader. — As linhas de seu rosto eram rudes e duras, feições grosseiras. Como uma pedra.  — Aqui está. — Entregou-me um papel com a foto do gato com as descrições da missão.

Não que eu fosse falar nada, mas antes que tivesse a oportunidade, ele bradou para a mulher. — Não se preocupe, Madame. Ela irá trazer seu bicho de volta! —

A velha se tremeu mais do que eu achei que seria possível, repetindo milhões de “obrigada”, arrastando-se aos pés do jounnin, querendo sufoca-lo com um abraço. Ainda bem que não foi a mim que ela veio agradecer. Sai furtivamente da sala enquanto o rapaz tentava livrar-se dos pesados braços moles enfeitados de joias.

  Que situação.

Desço as escadas do prédio rapidamente, passando pela porta principal. Ainda com o papel em mãos, dou uma breve olhada, analisando a foto do animal. Lembrei de sua dona e cheguei a conclusão de que era meio óbvio que o bichano iria fugir. Bom, vamos lá. Existem algumas centenas, se não milhares de gatos em Iwagakure. Mas só um deles usa essa fita vermelha particularmente espalhafatosa.

 Não vai ser tão difícil.

Eu acreditei fielmente nisso. Para a minha infelicidade.
Passei várias horas procurando nos arredores da casa da Madame e outros nobres locais. O sol já deitava-se por trás da cadeia montanhosa que cercava a vila, lançando sobre ela seu véu de fogo, tingindo telhados e paredões com um laranja vivo.  

— Onde será que esse diabo se meteu? — Parei para refletir o porquê que eu não encontrara o bicho ali. Bem que caiu minha ficha.

  Segui em direção das ruas principais, onde situavam-se as lojas e restaurantes mais movimentados. As luzes dos prédios acendiam conforme o anoitecer caía e alvoroço de gente diminuía. Quando passava entre as pessoas, como de costume, lançavam-me olhares de repúdio e puxavam suas crianças pelos braços, como se estivessem protegendo-as de algo contagioso. Sussurros preenchiam o ambiente. Se Zyra estivesse aqui, eles não ousariam. Por que essa gente ruim tem tanta sorte? Acho que nem Jashin sabe.
Uma brisa soprou sombria, levando partículas de poeira e pedacinhos de papel para o alto e um ruído metálico vindo do fundo de uma viela suja me chamou atenção.

  Vasculhando um dos latões de lixo de um restaurante, lá estava ele. Lambuzado com restos de refeições, se enfiava cada vez mais, catando o que seria sobras de um lámen do dia anterior. Outros gatos de rua também rodeavam outros sacos por ali e etc, mas era aquele de laço vermelho que me interessava. Lidar com o fato de eu ter que entrar naquele pequeno esgoto já foi mais difícil que capturar o animal em si. Um líquido escuro e fedido escorria dos latões, deixando o chão enlameado e escorregadio. Aproximei silenciosamente, aproveitando a distração do felino com os restos de macarrão, molho e carne. Estava para por as mãos nele, quando saltou de repente. Eu não sei o que o alertou, o bicho sacudiu a sujeira toda em cima de mim, pulou na minha cabeça e desapareceu acima do cercado. Maldito seja. Será que Jashin aceita gatos de oferenda?
Desequilibrei e fui ao chão. Coberta de lama, resíduos e etc. Os gatos restantes se aproximavam, miando em diversos tons, sibilando e lambendo os pedaços de carne grudados na minha roupa.

— Shhhh! Saiam daqui, seus demônios! — Balancei as mãos para espantar e os animais fugiram, refugiando-se atrás do lixo.

Pequenos olhinhos brilhantes e sinistros piscavam no escuro do beco, me seguindo até o cercado onde o procurado havia escapado. Escalei e pulei para o outro lado, dando de cara com uma vidraça de uma loja que estampou meu visual imundo em sua superfície. Não via a hora daquele martírio acabar. Segui o rastro de patinhas sujas de comida que encontrei ali – que estava bem evidente por sinal - o gato era uma máquina de fazer cagada. Passado alguns minutos rondando, avistei. Estava do outro lado da rua, cheirando os cantos de uma padaria. A cauda peluda e marrom ondulava, indicando o interesse do bicho de catar mais resto de comida que possivelmente encontraria ali. Animal tenebroso aquele. Corri o mais rápido que pude em direção a ele e o mesmo enfiou-se em outro beco. Para o azar dele, estava cercado. Tora arqueou as costas e silvou para mim, mostrando os dentes, todo arrepiado. Aproximei mais e mais, ele tentou escapar pela direita e eu intervi, depois pela esquerda, sem sucesso. Na sua tentativa de desespero, tentou passar entre minhas pernas e eu o prendi. Coloquei as mãos em volta de seu corpo enquanto se debatia e tentava acertar meu rosto com suas garras de agulha. “Não foi dessa vez, diabo”. O gato miou resignado e já me pus no caminho para entrega-lo.

  Mais tarde, cheguei finalmente na mesma sala onde recebi a tarefa. Meus cabelos claros estavam escurecidos de salmoura, minha roupa esfarrapada e fedorenta, assim como o gato que eu carregava embaixo do braço. A fita vermelha estava marrom. Meu rosto manchado de lama e braços riscados com alguns arranhões que ganhei como lembrança. Eu literalmente estava um lixo.

— Aqui está. — Larguei o bicho em cima da dona e ele esperneou desesperado.

A mulher gorda abraçou e apertou o gato de tal forma que tive a impressão que seus olhos iam saltar fora a qualquer momento. Ela ainda chorava, mas de alegria. Esfregava o rosto enorme e borrado de maquiagem no felino, com uma voz lamurienta.
Não esperei para que fosse me agradecer, entreguei o papel de volta para o jounnin e me retirei do local, tão silenciosamente quanto quando entrei para iniciar.

Só preciso de um banho.