Acordei naquela manhã ainda com estresse remanescente da última lição com Suzaku.
Provavelmente, a pior parte de ser o mais novo integrante do esquadrão era o fato de ter de acompanhar o ritmo alucinado dos demais. Não era cansaço físico, como eu vira o tal Fuyuki fazer repetidamente antes de nosso encontro, mas mental. O treinamento do esquadrão miragem era focado especialmente em abalar completamente as fundações de minha mente, construindo um indivíduo de personalidade forte. Isso queria dizer que a todo momento eu estava sob pressão.
Senti um arrepio repentino e, antes que tivesse qualquer chance de gritar, minha garganta fora fechada com extrema ferocidade por uma mão negra. Minha visão foi escurecendo, conforme a luz ia se extinguindo no quarto e sendo substituída pelo acúmulo de olhos vermelhos que observavam meu desespero com superioridade.
-Tenho uma tarefa pra você. – A voz era infantil, do tipo que normalmente é tido como fofa. – O meu restaurante favorito está com falta de uma especiaria que cresce no Monte Shiro. Vá buscar.
A presença recuou e a mão se afrouxou, permitindo que eu inspirasse o ar que tanto sentia falta, tossindo e sentindo a bile querer subir pelo meu esôfago.
Quando eu pisquei novamente não havia nem sinal de que alguém ou alguma coisa estava no meu quarto. Fora uma ilusão, mas a sensação de ser enforcado ainda era real. Real o suficiente para que eu não o contrariasse.
Me arrumei da melhor maneira que pude, levando comigo meus equipamentos, e disparei pela janela do prédio em direção ao precipício abaixo de mim, caindo vertiginosamente, enquanto me aproximava do cabo de aço pendurado entre o nosso prédio, uma rocha de 70 metros, que se erguia de um precipício da qual não se via fundo, até o centro comercial, apenas 10 metros abaixo do nosso.
Segurei firmemente no cabo, sentindo o peso da inércia que desejava me fazer virar uma panqueca no fundamental do precipício. Quando finalmente consegui fazer mais do que apenas me segurar, ergui meu corpo e subi no cabo ainda receando cair.
Fora uma ideia absurda colocar o esquadrão naquela rocha desabrigada, pior ainda não fazer um modo descente para que nos locomovêssemos, como uma ponte ou coisa assim. Toda vez que tínhamos que sair, era da mesma maneira: Pulando para a morte.
Assim que cheguei no centro comercial, comprei um mapa para que eu pudesse me orientar até o local. O monte Shiro ficava mais ao norte e era coberto pela neve, por isso o nome. Eu sabia de qual especiaria a sombra estava falando: Flor da Neve. Era a única coisa que crescia naquele lugar.
- Garoto, eu não iria lá se fosse você. Dizem que um fantasma está assombrando o pico. – Me alertou o vendedor.
- Não se preocupe. Nada me assusta mais que meu chefe. – O homem gargalhou. Eu não. Estava falando sério.
***
Foram 5 dias de caminhada, até que finalmente cheguei aos pés das montanhas nevadas. No caminho comprei um casaco mais grosso para me adaptar ao frio inesperado. A vegetação começava a ficar menos presente, conforme a neve tomava seu espaço e tornava minha caminhada mais difícil.
Conforme as horas iam passando, mais a temperatura ia caindo. Estava próximo do pico quando uma repentina tempestade me alcançou. A neve começou a cair furiosamente, impedindo o que eu conseguisse ver qualquer coisa a minha frente.
Por pura sorte encontrei uma reentrância na rocha e me abriguei nela. Era uma caverna. A rocha era negra e lisa, quase como se tivesse sido criada propositadamente por instrumentos de corte humanos. Aquilo me alertou.
Sem ter como enfrentar a nevasca e curioso a respeito das marcas, acendi uma lanterna, que vinha a junto com o equipamento de acampamento, e adentrei no interior da caverna.
Talvez algum ninja há muito tenha se perdido na montanha e usou um jutsu para fazer um abrigo temporário ou, quem sabe, fosse herança de uma civilização antiga. Não era fissurada a respeito do assunto, mas era melhor que ficar sentado olhando para a tempestade, esperando que passasse.
Percebi que a caverna era, na verdade, um túnel. Ele se estendia por metros, penetrando no coração da montanha. Era como o se uma toupeira gigante tivesse resolvido cavar pra chegar ao outro lado.
Foram minutos caminhando até que enfim cheguei a uma grande caverna com uma abóbora tão alta que eu mau podia ver seu teto. Um acúmulo de cristais trazia a luz vinda de algum lugar lá em cima. Era tão bem Iluminada que mais parecia ser dia ali dentro. O chão estava coberto com uma grama verde e viçosa. Além disso, flores brancas e brotavam até aonde a vista alcançasse.
- Flor da Neve! – Comentei, com um sorriso no rosto.
- Sim, são lindas. – Disse uma voz doce atrás de mim que me fez dar três pulos para longe, com uma Kunai .
Eu fiquei em alerta, vendo o que parecia um anjo sem pernas olhando pra mim com suas asas gigantes. Seus cabelos eram negros e escorridos, assim como seus olhos, que se assemelhavam a um ônix derretido. Trajava um kimono belo, de tecido finíssimo, provavelmente de seda. Sua pele era pálida, quase como se feita de porcelana.
- Ah! Um shinobi! – Comentou e seu semblante ficou tedioso de repente.
Borboletas brancas começaram a voar ao redor dela, posando hora ou outra nas pétalas das Flores da Neve.
- O-o que é você? – Gaguejei meio atordoado pela beleza que a mulher ainda mantinha. Além do mais, não é sempre que se encontra um anjo.
- Alguém como você, garoto. – Disse e pareceu desfazer-se em milhões de papel, desaparecendo. – Alguém que não mais deseja ser como você. – Ela reapareceu em baixo de uma árvore ao lado der uma pequena fonte de água.
Para o meu bem ou mau, eu decidi que não deveria me manter em guarda e colher algumas flores enquanto eu estava ali. Aquela fantasma ou anjo não me dava mais medo que o meu chefe.
Quando achei a quantidade satisfatória, me dirigi para o lado da kunoichi e me sentei ao seu lado. O lago era cristalino e bem pequeno e refletia nossas faces, que posso dizer que tinham a mesma tristeza oculta em seu olhar. Do outro lado, uma pequena cabana se erguia, simples, mas firmes. Alguns papéis estavam próximos a mim e eu fiz um origami que muito se assemelhava as flores que eu colhera.
- Ficou bom. – Ela disse, antes da flor se desabrochar e se tornar uma borboleta.
Fiquei observando a borboleta voar pelo lago então voltar a minha mão e tornarem a sua forma de flor.
- Porque está aqui? – Inqueri com curiosidade e ela me fitou por muito mais tempo do que necessário.
- É uma boa pergunta. – Falou misteriosa. – Acho que estou esperando por eles. – Falou simplesmente, mas seu tom estava carregado de pesar.
-Eles? – Inqueri confuso.
- Não importa. – Disse, batendo suas asas e flutuando pelo lago. – A nevasca já passou. É hora de ir. – Falou dando as costas para mim, seus sedosos cabelos balançando a mercê da brisa gélida que entrara pela caverna.
Eu entendi que não me diria mais nada. A mulher me causara uma impressora tão forte que era difícil não me sentir impelido a segui-la, mas algo me dizia que eu não teria a resposta.
Dei meia volta e comecei a caminhar para a entrada da caverna, quando a curiosidade me venceu.
- Qual o seu nome? – Gritei, vendo-a se virar confusa. Acho que devia fazer muito tempo que não dizia seu nome.
- Alayne – Disse e o brilho de um sorriso apareceu momentaneamente em sua face. Então ela se desfez em miríades de folhas de papéis, deixando-me apenas com dúvidas em minha mente.
***
Quando finalmente cheguei a vila, a silhueta do meu chefe estava bem visível na frente da ponte que dava acesso a vila. Seus cabelos eram negros, assim como seus olhos grandes e fofos. Suas bochechas eram redondas e dava uma vontade enorme de apertar, mesmo isso sendo uma absurda sandice.
-Que bom que trouxe as flores, Shin-chan. – Deu três pulinhos, batendo a palma e pegou o saco de flores, perdendo-se no meio dos transeuntes em direção ao seu restaurante favorito.
- Quem vê, acha que presta. – Comentei baixo me dirigindo para o prédio do esquadrão, ainda com Alayne ainda rondando minha cabeça.