A manhã estava agradável como sempre. A névoa estava espessa naquela manhã e parecia disposta a encobrir a aldeia como uma mãe que aninhava seu filho no colo, protegendo-o desse mundo vil e tenebroso que tende a buscar uma maneira cruel de ferí-lo.
Não que nossos ancestrais tivessem feito qualquer coisa para evitar a hostilidade do mundo contra a aldeia, mas devíamos agradecer ao clima por ainda não ter nos abandonado, mesmo que assim o merecêssemos.
Estava debruçado sobre minha escrivaninha, olhando os dados que consegui recuperar das ruínas de minha antiga residência. Por sorte, a passagem secreta, onde guardávamos as verdadeiras informações, não fora descoberta pela maldita queima de arquivos que fora feita em nossa antiga residência.
As pistas ainda levavam a lugar algum, mas se minha mãe morreu, é certo que sabia de algo. Eu não a matei, não importa o que dissessem. Eles não acreditaram, não importa o quanto eu tentasse dizer.
Teria sido um dia produtivo, não fosse a repentina entrada de um Chūnin janela adentro de meu minúsculo e simplório apartamento.
- Saburaku. - Ele chamou, sem esconder a hostilidade no olhar. Portava um colete comum de seu ofício, provavelmente para identificar sua patente. Estava com sua kunai sacada e com a postura tensa, como se estivesse adentrando em território inimigo. Claro...Ele estava na casa de um psicopata assassino.
Eu revirei meus olhos e peguei a kunai que estava na escrivaninha e girei entre os dedos, apenas para me divertir com seu recuo automático.
Quanta coragem para um shinobi... O cumprimentei com um aceno de cabeça, mas acho que ficava difícil perceber com toda aquela tentativa de esconder meu corpo. Meu uniforme azul marinho subia justo pelo meu corpo, denotando os músculos firmes e ágeis que haviam em minha constituição. As talas envolviam as juntas para reduzir o impacto no pulso e no tornozelo, assim como subiam pelo meu pescoço até a linha dos olhos. Uma faixa branca amarrava meu cabelo, ocultando minha testa, obrigando minhas melenas rebeldes a saírem arrepiados para cima, quase como uma flecha.
- Eu gostaria de receber uma resposta quando te chamo, Saburaku. – Insistiu e eu fiquei das duas de enfiar aquela kunai goela a baixo dele.
Fiz um sinal com a mão que indicava algo como “Sim senhor!”.
- Eu por acaso tenho cara de palhaço, Saburaku? – Inqueriu e eu queria muito dar um soco na cara dele.
- Mãn! – Emiti, sentindo-me idiota por aquilo. Eu era mudo. Cortaram a minha língua. Será que o inútil não leu a minha ficha? Eu o vi ficar vermelho de raiva e começar a ensaiar um discurso quando sua expressão desanuviou e vi a compreensão chegando em sua mente. Ele ficou constrangido com sua falta de tato, mas infelizmente havia pouco que ele pudesse fazer para se retratar.
- Você foi indicado como professor de uma das turmas de novos shinobis? – Falou e, provavelmente, percebeu quão idiota aquela missão era para mim, pois ao final de seu comunicado sua frase já havia se tornado uma indagação.
Eu ergui uma sobrancelha indignado com a proposta, mas ele deu de ombros, concluindo que a triagem não era de responsabilidade dele. Apenas me jogou o pergaminho e saiu, tão sem educação como entrara.
Como uma pessoa civilizada que eu era eu fiz o complicado gesto na linguagem de sinais que pode ser interpelado como um obrigado por sua assistência. Ele é mais ou menos assim: “_l_”.
Abri o pergaminho com relutância e li os detalhes da missão. Aparentemente um de meus antigos professores havia tido uma indigestão naquele dia e se encontrava incapacitado de lecionar e me indicara como possível substituto. Ainda estou tentando me lembrar que rancor ele guardava de mim para planejar tão nefasta vingança.
Coloquei minha capa de gola alta para cobrir todo o meu corpo e permanecer oculto em meu mistério e, sem ter com quem reclamar, saltei para a névoa da manhã envolvendo-me em sua branquidão.
Como um bom ninja, pulei os edifícios sentindo o vento acariciando minha pele com seu toque gélido, imaginando como faria para, sem usar palavras, treinar os pequenos fedelhos.
***
As crianças provavelmente deviam estar arrependidas por não ter prestado atenção quando Hatori, seu verdadeiro professor, dava aulas. Ele começou toda certeza era mais misericordioso que eu.
Assim que cheguei, fui decepcionado por um engraçadinho chamado Suzaku. Tivera a grande ideia de zoar minha incapacidade de falar e acabaram por ficar pendurado pela perna por fios de náilon.
Aria, uma aluna cuja mãe era surda, foi minha porta voz. Eu falava para ela o que era necessário sobre as técnicas de Furtividade e ela passava para a turma.
Não apenas uma vez, tive que lançar uma Kunai contra a carteira de um dos estudantes para que ele se voltasse para a garota tímida.
Mostrei a eles como sair quando preso por um corda e, para minha surpresa, Suzaku prestou atenção o suficiente para se soltar dos fios de náilon. Ele ensaiou alguns golpes, mas um chute o pôs em seu lugar, literalmente. Ele voôu pela sala até sentar-se em sua cadeira com a cabeça.
A aula correu com certa tranquilidade. Passei a lançar Senbon em cima de um garoto que estava meio apático, mas ele sempre se esquivava. No início foi apenas para fazê-lo prestar atenção, mas Hikaru parecia o típico preguiçoso com habilidades impressionantes.
Ao fim do dia eu estava exausto. Ser professor era algo estressante, ainda mais quando se precisa de uma intérprete para isso.
Agradeci a garota pela ajuda e ela me abraçou. Foi algo estranho, no geral as pessoas não gostam de mim, mas crianças podem ser surpreendentemente gentis. Dissera que nunca teve a oportunidade de falar muito na turma e, graças a mim, Hikaru tinha olhado para ela.
Não vou conseguir entender as garotas nunca.
Deixei meu relatório na sala dos professores, onde recebi aqueles olhares de desprezo com os quais já estava acostumado e voltei para minha toca, onde poucos poderiam incomodar.
Ou assim eu pensava.
###
Status ≡ Full
with Ninguém ≡
wearing this ≡